A Equipa do Fun Factor escolhe o melhor (e pior) de 2023

2023 foi um ano que podia ter contado como dois. Depois de uns anos mais lentos devido ao impacto da pandemia no desenvolvimento de videojogos, parece que choveram torrencialmente grandes lançamentos após grandes lançamentos. Tiro o meu chapéu a quem conseguiu arranjar tempo para jogar a maior parte deles, porque pessoalmente sinto que nem consegui arranhar a superfície.

Tivemos um RPG revolucionário no Baldur’s Gate 3, uma sequela que de alguma forma fez um dos jogos mais aclamados de sempre parecer um protótipo no The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom, a continuação de um clássico de culto com 13 anos em Alan Wake 2, a Capcom a continuar a ser uma das melhores distribuidoras japonesas dos últimos anos com Street Fighter 6 e Resident Evil 4, e até um jogo da From Software que não é uma variante direta de Souls em Armored Core 6. Isto tudo só no que toca a AAAs – ainda falta mencionar o mercado de indies com lançamentos como Cocoon, Sea of Stars, Blasphemous 2, Chants of Sennaar ou Cassette Beasts, que lamento ainda não ter conseguido jogar.

O pior…

Lamentavelmente, embora 2023 tenha sido um dos melhores anos recentes para jogos, foi um dos piores anos para a indústria. Estima-se que cerca de 9000 pessoas na indústria de videojogos tenham perdido o seu trabalho no ano passado em empresas dentro da Xbox, Sony, Ubisoft, Blizzard, EA, Take-Two, Epic e mais. Para piorar a coisa, estes despedimentos deram-se depois de aquisições milionárias, como a Activision Blizzard pela Microsoft por 68.7 mil milhões de dólares, ou o caso da Embracer Group, que após anos a adquirir estúdios, começou agora a fechá-los depois de negócio de 2 mil milhões de dólares ter caído por terra.

Por falar em desastres, a Unity Technologies anunciou em Setembro um novo plano para cobrar uma taxa aos desenvolve assim que atingissem um certo número de vendas/instalações. Obviamente isto não foi bem recebido por parte dos desenvolvedores, jornalistas, ou qualquer pessoa dentro da indústria, e depois de semanas de controlo de danos desesperado, o CEO John Riccitiello anunciou que iria abandonar o cargo.

A Sony, e especialmente a Insomniac, sofreram uma violação de dados que expôs uma enorme quantidade de informação confidencial ao público depois dum ataque informático ao estúdio que levou a que vídeos, planos para jogos futuros e até informação pessoal dos empregados fossem roubados e espalhados pela internet.

Uma das maiores convenções de videojogos de sempre, a E3, foi oficialmente terminada. Muitos de nós relembraram os seus momentos memoráveis pelas redes sociais. Embora a E3 tenha perdido influência e impacto nos últimos anos, eu e colegas meus tínhamos um carinho especial pela convenção: era uma semana diferente e recheada de anúncios, trailers e conteúdo de jogos, um natal em Junho. Era um sonho pessoal visitar uma E3 no futuro.

Por fim, perdemos algumas pessoas importantes para esta arte, pessoas que acompanharam muitos de nós, de certa forma, como James McCaffrey e Lance Reddick, dois actores conhecidos por interpretarem, entre vários papéis, Max Payne e o Commander Zavala, respectivamente, Emile Morel, lead designer do incrível Rayman Legends, e, infelizmente, mais pessoas do que gostaria de listar aqui.


O melhor

Passando para as coisas que gostamos de ver, bons jogos, a equipa do Fun Factor junta-se para escolherem os seus jogos, momentos ou pedaços favoritos do ano:

A surpresa da Tango Gameworks

Diogo: O anúncio e subsequente lançamento deste jogo foram bastante inesperados, mas o que mais me surpreendeu foi a qualidade deste titulo, não só os visuais são de topo, assemelhando-se a um filme de animação como a jogabilidade está ao nível dos melhores no género, utilizando na perfeição a vertente rítmica no combate que fica marcado por bastantes sequências criativas que transformam o cenário por completo em torno da música que está a tocar no momento.

Realço também as opções de acessibilidade, em especial o metrónomo incorporado que permite a pessoas que têm dificuldades a discernir ritmo a perceber mais ou menos em que altura devem premir cada botão.

Um dos melhores jogos da geração até agora e sem dúvida essencial para fãs do género.

Francisco: Há muito tempo que me perguntava se um jogo podia ser lançado nas circunstâncias em que o Hi-Fi Rush foi e ser um sucesso: só mesmo aparecer num palco a dar-se a conhecer ao mundo e dizer “Estou aqui, sou altamente e podem vir jogar-me agora mesmo!”

Diria que isto era estratégia para falhar nove vezes em dez, mas adorei ver o sucesso que o Hi-Fi Rush foi. Penso que parte disso tenha sido mesmo o tipo de jogo que é: uma experiência focada, montada com perícia à volta do ritmo e da música. Ser “só um jogo” também o ajudou a cair nas boas graças de muita gente, sem dúvida — nada de microtransacções, bónus de pré-venda ou conteúdo preso a pagamentos extra, algo que tem em comum com o Baldur’s Gate 3.

The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom excede as expectativas

Francisco: A minha Switch anda praticamente parada de há uns tempos para cá. Gostava de a usar principalmente como uma máquina para indies, mas como ultimamente não preciso tanto de portabilidade, tornou-se muito mais apelativo ter esses jogos antes na minha biblioteca Steam onde o acesso é “mais permanente”… mas é claro que a sequela do Breath of the Wild me fez pegar nela e limpar o pó.

A minha relação com Legend of Zelda é estranha. Adoro os jogos, leio e investigo frequentemente sobre eles, mas só joguei três do início ao fim: A Link to the Past, nos longínquos anos 90, e agora Breath of the Wild e Tears of the Kingdom. A sensação de aventura que estes jogos conseguem tão bem transmitir é o que me prende, e nisso Tears of the Kingdom pareceu-me ao princípio estar a falhar. Os primeiros momentos do seu antecessor agarraram-me imediatamente, mas aqui? Não estava a surgir o mesmo sentimento de maravilha. Horas mais tarde, quando estava a viajar pelas profundezas do planeta num planador montado por mim enquanto perseguia um velho inimigo, já tinha sido maravilhado milhentas vezes!

Breath of the Wild olhou para os jogos open world “da moda” e aperfeiçoou-os, Tears of the Kingdom olhou para Breath of the Wild e aperfeiçoou-o. Há quem critique o jogo pela reutilização de conteúdo, mas não acho que seja um problema; muito pelo contrário, é uma óptima maneira de ir melhorando o estado da arte sem ter de queimar recursos de forma exagerada.

Miguel: Tal como a do Francisco, a minha Switch não tem tido muito uso da minha parte, mas o Tears of the Kingdom é daqueles jogos que só precisou de 5 minutos de vídeo a mostrar as suas capacidades para eu estar completamente vendido e cheio de vontade para pegar nele. É incrível como este jogo invoca a criatividade que nem sabia que tinha dentro de mim, cada vez que pensava para mim próprio: “Será que isto funciona?” a resposta era sempre “Holy s… isto funciona!”, arrebatava-me por completo com a interatividade e harmonia de todas as mecânicas deste jogo. Onde o Breath of the Wild brilhava pela exploração e puzzles, Tears of the Kingdom aperfeiçoa-o ao ponto de fazer o predecessor parecer um protótipo. É uma Aventura com um ‘A’ grande.

Diogo: Depois de não ser grande fã de Breath of the Wild, pensei que Zelda neste formato mais aberto não era para mim, mas a realidade é que Tears of the Kingdom não só colmata os aspetos onde o antecessor pecou, como as mecânicas que adiciona são algumas das melhores que já tive o prazer de experienciar num videojogo, desde da capacidade de recuar objetos no tempo, a ser capaz de atravessar tetos sólidos, as possibilidades são ilimitadas e brilham quando o jogador domina as mecânicas e as combina em rápida sucessão.
Outro aspeto que gostei bastante foi a adição de 3 mapas diferentes por explorar: Sky Islands, Hyrule e as Depths, cada uma delas com imenso por encontrar e várias formas de as explorar, desde de motas voadoras a aviões, o céu é o limite neste jogo, literalmente, uma obra prima em todos os sentidos.

Mostra-me o campeão da luz e eu mostrar-te-ei Alan Wake 2

Miguel: Em 2019 visitei o primeiro Alan Wake e escrevi um artigo sobre o mesmo, muito resumidamente, era um jogo com boas ideias e uma história super interessante, mas cuja execução deixava a desejar, gostei do jogo mas não vive na minha memória como uma obra subvalorizada ou um clássico escondido. Já Alan Wake 2 é mágico, é toda a visão de Sam Lake realizada e polida numa das minhas histórias e mundos favoritos atuais. Onde Control constrói um mundo especial que interliga os jogos da Remedy, Alan Wake 2 mostra o seu potencial, e mal posso esperar para ver o que têm preparado para nós no futuro.

Francisco: Fui um fã tardio de Alan Wake. Só em 2018 é que me decidi a jogar aquilo, depois de em 2010 ter desistido por achar o gameplay profundamente aborrecido. Acabei a apreciar bastante a narrativa e o ambiente do jogo, e o subvalorizado American Nightmare ainda me fez gostar mais daquele mundo. Pena que a série parecia estar morta e, pior ainda, fora das mãos da Remedy…

Como as coisas mudaram em meia dúzia de anos! O segundo capítulo de Alan Wake está lançado e, junto com a série-irmã Control, está bem e de saúde.

Alan Wake 2 é um jogo extremamente bem feito e, bom, esquisito. Esquisito ao ponto de que ainda me custa a crer que tenha saído um jogo triple A nos tempos que correm que é tão idiossincrático. Mas o que mais gosto nele é que funciona também como uma ode à Remedy e às pessoas que colaboraram com ela ao longo do tempo.

Diogo: Só pelos Old Gods of Asgard este jogo já figurava facilmente numa lista de melhores do ano, mas o resto do pacote é igualmente sublime, desde uma narrativa interessante e aberta à interpretação de cada um o jogo é também pautado por uma atmosfera de topo no género Survival Horror, que embora por vezes abuse nos jumpscares não deixa de ser bastante imersiva para o jogador.
A jogabilidade, pode não ser igual à do primeiro, para bem e para mal, mas a verdade é que à medida que progredimos mais divertida fica, especialmente sendo as 2 personagens que controlamos tão diferentes ao nível da abordagem, sendo Alan mais focado na evasão de inimigos e puzzles, e Saga uma experiência mais recheada de encontros inimigos e exploração, sendo esta exploração bastante satisfatória e recompensadora, tanto ao nível de loot como também de lore que vamos encontrando para preencher as lacunas deixadas pela narrativa.

A Santa Monica lançou mesmo isto de graça?

Diogo: Quando anunciaram isto nos Game Awards, fiquei algo reticente, parecia um simples modo Roguelike adicional só para os jogadores passarem o tempo, mas a realidade é que esta expansão gratuita é não só uma experiência narrativa, como também funciona como uma pseudo sequela a God of War Ragnarok, com Kratos a enfrentar não só o seu passado como o seu futuro e as consequências das suas ações ao longo da franquia, uma experiência obrigatória para fãs nem que seja pela relevância narrativa que tem e o trabalho que faz com uma personagem que evoluiu tanto como Kratos no decorrer destes novos jogos.

A quota nunca fica totalmente preenchida com Lethal Company

Fonte: Steam

Gonçalo: Lethal Company é terror, desespero, ansiedade, frustração, mas acima de tudo diversão imediata e garantida. É por vezes difícil vender os jogos que são a tendência do momento a uma certa audiência, mas acreditem quando vos digo que este jogo é para todos. Quer tenham amigos, quer não, juntem (ou juntem-se) a um grupo de pessoas num lobby para uma experiência sem igual.

Apesar de ser cada vez mais comum, custa-me ainda acreditar que há jogos que são feitas por apenas uma pessoa. Na sua totalidade, desde a programação à música, do visual à história. Uma única mente concebeu isto e não perdeu nada em termos de qualidade: o VOIP é dos melhores que já vi (punha alguns jogos triple A a um canto), mudando as vozes de acordo com o espaço; a banda sonora, apesar de curta, consegue criar o ambiente de terror na totalidade; os monstros são aterrados; e o loop é sempre entretido.

Apesar de estar ainda em early access, o jogo custa apenas 9,75€, e já me divertiu durante umas belas 15 horas, que já foram suficientes para me aprazer dos melhores conteúdos online que já joguei, com muitas mais para vir. O conteúdo demora a chegar (continua a ser desenvolvido apenas por uma pessoa, mesmo após o sucesso e a sua teimosia em não recrutar mais ninguém), mas se se fartarem, há uma lista infindável de mods que acrescentam imenso ao jogo e que recomendo vivamente.

Street Fighter 6 mostra a qualidade da Capcom

Diogo: Sempre fui fã de jogos de luta, especialmente Street Fighter 3: Third Strike, que se mantém como o meu favorito até à data em todo o género, mas Street Fighter 6 é provavelmente o que mais perto esteve de o destronar, não só com a sua jogabilidade de topo mas pela quantidade de conteúdo que oferece e acima de tudo a qualidade da experiência online, que é a melhor que já tive em qualquer jogo multiplayer, a grande parte das lutas mesmo que sejam contra pessoas do outro lado do mundo correm na perfeição. Depois deste jogo é difícil jogar outros jogos no género com pior online porque a diferença de qualidade é mesmo massiva.

A Larian Studios rola um Nat20 no lançamento do Baldur’s Gate 3

Francisco: Quem me conhece sabe que sou suspeito no que toca a falar deste jogo: não só sou fã de RPGs clássicos, como jogo tabletop há mais de duas décadas, como Baldur’s Gate 3 é o único jogo em early acess que comprei na vida porque queria dar uma mãozinha naquilo que podia.

Depois do também glorioso Divinity: Original Sin 2 da Larian, era quase certo que este jogo ia ser um sucesso. O ambiente actual no que toca a Dungeons & Dragons também ajuda: o hobby poucas vezes foi tão popular nas suas décadas de existência como é agora, suspeito que em boa parte devido às várias campanhas de actual play como Critical Role. Mas acho que ninguém esperava que fosse um sucesso assim tão grande e que entrasse pelo mainstream dentro como um minotauro zangado a esmagar todas as paredes no seu caminho.

O que levou a isto? Na minha opinião, é que Baldur’s Gate 3 é o jogo que melhor traduz a experiência de realmente estar a jogar D&D com os amigos, apesar de não ser o que melhor traduz o jogo de um ponto de vista de regras, e fá-lo com pompa e circunstância: um RPG clássico com os recursos de uma produção AAA. Ou, alternativamente, talvez tenha sido a cena de sexo com um urso.

Miguel: Não tenho experiência em D&D, mas isso não me impediu de ficar entusiasmado para o Baldur’s Gate 3, a Larian Studios é o rei atual de CRPGs (desculpa Obsidian) e Baldur’s Gate 3 parecia ser o próximo passo na evolução do género. Não foi o próximo passo, a Larian fez o jogo saltar, fazer uma pirueta, um mortal e aterrar de pés bem assentes no que é a meta futura de RPGs em geral. Eu e muitos amigos meus comprámos o jogo no primeiro dia e desde então que me surpreende o quão diferente a aventura de cada um foi. As formas diferentes como nós ultrapassávamos os nossos obstáculos, fosse com o carisma do protagonista ou um inventário cheio de barris explosivos. A única coisa que todos nós partilhámos na nossa aventura foi o amor pelo cast de personagens inesquecíveis.

César: Há muitos anos que jogo CRPGs (também tenho alguma experiência com D&D), apesar de haver lacunas como as prequelas de Baldur’s Gate 3. É um género de jogo, que fui procurando mais na minha adolescência; títulos como Wasteland, Pillars of Eternity, Torment, Divinity Original Sin (DOS), entre outros. É também um género que rapidamente me consume. Fico totalmente imerso na experiência. Assim, foi impossível não ficar expectante com Baldur’s Gate 3 pelo que tinham mostrado no early acesss, além do estúdio associado. Para ser honesto, enquanto a plasticidade do DOS 1 e 2 e não termos a papinha toda feita com marcadores para nos guiar me agarrou, a narrativa foi praticamente desinteressante. Baldur’s Gate 3 prometia ser fiel a essa escola de design e ter uma história cativante.

Ainda assim, consigo ser picuinhas. A meu ver, o que Baldur’s Gate 3 faz comparativamente a outros títulos do mesmo género, é trazer essa plasticidade e flexibilidade dos títulos anteriores da Larian para um jogo mais acessível (e bem) que consegue rivalizar em narrativa – seja pela aventura ou os companheiros – outros rpgs; especialmente do que toca a exploração e puzzles, que tornam o espaço mais táctil e vivo. E enquanto que, o nível de ramificações dado a qualidade da escrita, animações, actores, é estonteante, podemos encontrar os limites, se tentarmos (como ser impossível matar furtivamente os três líderes do Goblin Camp sem alertar o resto do acampamento); também há um grande foco em combate, tal como outros rpgs, e a variedade que aí se encontra, está ausente em meios não-violentos. Mesmo o non-lethal serve mais de enfeite, que uma mecânica em 98% dos casos.

Há mais aspectos que gostaria de ter visto no é chamado de um dos maiores rpgs de sempre, mas não me quero prolongar. A verdade é que, apesar destas limitações, o jogo impressiona constantemente, e não é por acaso que tenho 260 horas no meu único playthrough. É uma aventura incrível. Não destrona o lugar do Disco Elysium, mas é dos que chega lá mais perto.


Aqui termina a lista, e oxalá, para 2024, a secção do ‘pior’ seja mais pequena, e a do melhor ainda maior. Quero apenas deixar finalmente um pequeno agradecimento a todos que perderam uns minutos do vosso ano para ler o que escrevemos no nosso pequeno site, nunca esperaria fazer por 5 anos, mas gosto de pensar que daqui a 5 mais ainda teremos todos a paixão por ler, escrever e discutir sobre videojogos.

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