Digimon Survive – Análise

Eu faço parte do grupo de miúdos da segunda metade dos anos 90, que acordava cedo de manhã para apanhar os desenhos animados japoneses como Dragon Ball, Yu-Gi-Oh!, Captain Tsubasa, e claro, Digimon. É difícil não ter arrepios quando se ouve a abertura do Adventure ou do Tamers. Eu faço parte daquele pequeno grupo de miúdos que continuou a acompanhar os Monstros Digitais mesmo depois da sua queda em popularidade; e defendo que Digimon consegue ser tão interessante agora como há mais de 20 anos atrás.

Com o lançamento dos Cyber Sleuth (e World Next Order) nos últimos anos, houve uma pequena ressurgência da antiga popularidade de Digimon, justificadamente na minha opinião, visto que ambos os Cyber Sleuth foram jogos que me agarraram do início ao fim, meti mais de 80 horas em cada um na PS4, e comprei-os mais tarde na Steam para um “double dip“. Digimon Survive foi originalmente planeado para 2019 e seria apenas um pequeno jogo para preencher o vazio entre o lançamento do Cyber Sleuth Hacker’s Memory e o próximo Digimon Story. Adiamento após adiamento o Survive parecia ser um caso perdido, até que 3 anos depois é finalmente lançado, de forma ligeiramente controversa, visto que muitos fãs casuais não estavam à espera de encontrar um título tão focado em texto. Não me encontro dentro desse espectro, mas não deixei de ficar desiludido com esta entrada, por outras razões.

Digimon Survive é um visual novel com elementos de RPG e estratégia. O termo estratégia é um bocado puxadinho aqui… A maior parte do combate em Digimon Survive resume-se em colocar os nossos Digimons atrás ou ao lado dos Digimons inimigos para abusar da mecânica de flanqueamento onde provocamos dano extra aos inimigos por atacá-los em flanco. Não há grande versatilidade no combate, nem sequer uma relação de risco/recompensa, os ataques não diferem muito entre si, os Digimons com mais mobilidade são muito mais úteis e a IA inimiga é tão má que se mete no meio do teu grupo de Digimons só porque consegue flanquear um deles.
Desilude-me que nem sequer há interações com os níveis e os seus objectos, podiam ter adicionado mais elementos ao campo de jogo e fazer o campo maior. Por exemplo, erva alta, onde os ataques de foco usados nessa zona queimavam os Digimons, pequenos edifícios que podiam usar como cobertura ou power ups especiais. Em vez disso, temos caixas com itens e pedras.
Se o combate não tivesse sido uma das primeiras coisas a ser mostradas durante o desenvolvimento deste jogo, tinha dito que foi adicionado em cima do joelho para o jogo não ser 100% visual novel.

O mais divertido no gameplay de Digimon Survive é colecionar os Digimons, tal como já era no Cyber Sleuth, pena é o jogo tentar limitar isso o máximo que pode. Em primeiro lugar, os itens para evoluir Digimons são muito limitados (preferia poder evoluir através dos Status/Exp), em segundo lugar, o sistema de recrutar monstros é talvez o pior que já utilizei até hoje. É semelhante ao de Shin Megami Tensei/Persona onde têm de falar com os monstros para os convencer a juntarem-se à vossa equipa, mas mesmo comparado à minha experiência com o Persona 5, o Survive é estupidamente frustrante nisto. Não só têm de decorar as respostas certas para cada Digimon – respostas que nem fazem muito sentido – como mesmo depois de acertarem, pode ter apenas uma pequena chance de os recrutar. A certo ponto desisti de tentar decorar as falas certas para cada um e fui pesquisar um guia no Google.

“Mas ao menos a narrativa vale a pena, certo?”
Eh, não nego que o enredo consegue ser interessante. Mas acaba por sofrer dos mesmo problemas que pragam este género de jogos japoneses: demasiado diálogo expositivo, muitas vezes pouco natural e desenvolvimento de personagens extremamente superficial. Quem é familiar com a primeira temporada de Digimon Adventure vai encontrar muitas semelhanças às personagens e narrativa de Survive, embora este último tenha um tom mais edgy, mas também não consigo deixar de pensar que o Adventure em 1999 foi muito mais interessante no mundo e subtil no desenvolvimento das suas personagens que o Survive em 2022.
E chateia-me, uma das coisas que pensei no anúncio do Survive foi: “Esta interpretação do mundo digital parece ser interessante”, é uma coisa que Digimon consegue fazer com coerência: criar Mundos Digitais interessantes e únicos entre si, mundos que só fazem sentido dentro do contexto e lore de Digimon. O mundo do Survive é aborrecido, é genérico e mal tem identidade própria, é um mundo que encaixaria em qualquer outro JRPG sem grandes problemas. Onde outros Digital Worlds como o de Adventure, Tamers, Frontier ou até Appmon foram feitos à volta dos Digimons, o mundo de Survive parece ter sido criado por si só, e depois lá resolveram espetar os Digimons porque o nome vende. Repito: é pouco interessante, e muito mal explorado. Dito isto, quero deixar a nota que o Survive tem o meu Agumon favorito até agora.

Ainda assim o que mais me indignou foram as escolhas. Em Digimon Survive, as nossas escolhas têm impacto na narrativa, e até no destino das personagens… Pelo menos, foi o que o marketing nos disse. Pois quando joguei, senti que as minhas escolhas não estavam a ter grande impacto. Depois da primeira morte no cast, o meu protagonista disse para si mesmo: “Podíamos ter evitado a morte de X se tivesse falado mais com ele.”. “Ok, justo.” – pensei para mim mesmo – “Talvez tenha feito as escolhas erradas”. Depois da segunda morte no jogo, descobri pela discussão online que as duas primeiras mortes não podem ser evitadas na primeira run do jogo, assim como muitos outros caminhos possíveis estão bloqueados até completarem a primeira playthrough… Que me levou 32 horas. 32 HORAS! Ou seja, para que as minhas escolhas tenham impacto no início do jogo, tenho de acabar o jogo primeiro. Eu não sei se isto é comum no género, e talvez seja a minha inexperiência em visual novels a falar, mas eu preferia ter tido impacto na história logo de início e não depois de acabar o jogo. O Survive não foi assim tão interessante para manter o meu interesse depois de 32 horas.

Visualmente diria que há um contraste entre as partes do Visual Novel e as de combate. As de Visual Novel conseguem ser muito bonitas, onde temos backgrounds bem desenhados e os personagens encaixam perfeitamente nestes planos, parece mesmo saído de um anime e fico feliz por terem feito uma aproximação ao art style das primeiras temporadas. No combate já não brilha tanto e a combinação das sprites dos monstros em 2D com os campos 3D não funciona bem e dá uma sensação de “jogo barato”.

Sinto-me desiludido com Digimon Survive, há lá pelo meio alguns bons momentos, mas mesmo como ávido fã de Monstros Digitais o jogo falhou em manter o meu interesse durante muito tempo, não digivolui para além da mediocridade em todos os seus aspetos e tenho a certeza que se não fosse Digimon, nem tinha acabado o jogo. Atribuo uma nota de 5/10 ao jogo, dificilmente vale o preço base de 49.99€.

Digimon Survive no OpenCritic

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