Análise: Days Gone

Depois de 10 anos a desenvolver spin-offs de IPs estabelecidas da PlayStation para as consolas portáteis da Sony – como o Resistance Retribution e o Uncharted: Golden Abyss – a Bend Studio, o estúdio conhecido pela série Syphon Filter e o infame Bubsy 3D, ganhou finalmente a oportunidade de lançar um IP novo para a consola principal da companhia japonesa. Days Gone é um open world survival pós-apocalíptico de zombies exclusivo da PlayStation 4. E sim, pode-se argumentar que essas 5 palavras pertencem a alguns dos géneros mais saturados na indústria dos videojogos. “Mas afinal, este é exclusivo PS4, certamente que manterá a alta qualidade que os outros estúdios definiram na consola desta geração?”. Bem, não é assim tão simples, como foi provado pelas classificações dos críticos ao jogo, estando actualmente com 71 de 100 no OpenCritic. Não é de todo uma má classificação, 7 em 10 é bom, mas é indubitavelmente um passo atrás dos 85+ que os exclusivos PS4 têm gabado nos últimos anos.

Days Gone conta a história de Deacon St. John. Um antigo soldado e motoqueiro, cerca de dois anos após o início do apocalipse zombie (neste caso, são freakers). Começando com a noite que deu início ao desastre, Deacon deixou a sua esposa, Sarah, esfaqueada durante o incidente, aos cuidados de um cientista num helicóptero de fuga. Como o helicóptero estava cheio, Deacon ficou para trás para não abandonar o seu melhor amigo, Boozer. Ambos conseguem escapar ao caos dos freakers e vão ao encontro de Sarah, mas infelizmente encontram o seu helicóptero despedaçado num campo de refúgio inundado por freakers, Deacon procura por Sarah sem sucesso e assume que todos os passageiros do helicóptero perderam as suas vidas. Isto é, até ao presente, onde Deacon não só avista um helicóptero da NERO (National Emergency Response Organization) como descobre que O’Brian, o cientista que ficou ao cuidado de Sarah, ainda está vivo. Instigando Deacon a retomar a busca por Sarah.

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Deacon St. John

A narrativa de Days Gone é bastante sólida do início ao fim, apresentando a personagem de Deacon como alguém áspero e sem nada a perder, perdendo toda a empatia após meses de matar para sobreviver, até que a possibilidade de Sarah ainda estar viva lhe acende uma nova vela de esperança e um novo olhar para com o seu redor. A escrita e desenvolvimento de Deacon foi para mim, o aspecto mais relevante da narrativa em Days Gone, o protagonista e interacções com outros personagens (principalmente o Boozer) estão bem executadas e torna o par de melhores amigos bastante afável. A performance de Sam Witwer é boa o suficiente para reforçar a execução do personagem, assim como o cast geral de Days Gone. Ainda assim, houve alguns diálogos – principalmente em side quests – que soaram pouco naturais, mas não é algo que afecte significativamente o panorama da história.

Visualmente, Days Gone é deslumbrante (quando não tem bugs visuais). Já não é surpresa nenhuma o que os estúdios first party da Sony conseguem fazer na consola datada com os seus exclusivos, mas não deixo de louvar a Bend Studio pelo seu trabalho neste jogo. Oregon é uma zona trabalhada detalhadamente, desde as suas densas e perigosas florestas às montanhas cobertas em neve, não só ficarão maravilhados com a vista de um ponto alto do mapa, como em movimento, várias vezes fiquei impressionado com o nível de atenção do que me rodeava enquanto atravessava caminhos cobertos em lama com a minha mota. Quero reforçar que as mudanças de clima no Days Gone – já que tanto pode nevar, chover ou estar sol no jogo – afectam ligeiramente o mundo, e tanto podem estar a conduzir num caminho de terra normal, como podem estar a derrapar em lama durante a chuva, ou a escorregar na neve durante um nevão. Days Gone tem um sistema de clima em tempo real bastante interessante, embora o seu maior relevo seja em termos visuais. Contudo, como mencionei brevemente em cima, Days Gone sofre de bugs visuais que magoam a experiência, nomeadamente, o texture popping, que é demasiado frequente. Muitas vezes quando começava uma cutscene os personagens passavam uns bons segundos (por vezes, até minutos) com um aspecto muito mau, como se tivessem sido feitos de cera e deixados a derreter ao sol (o design dos personagens em si não é nada de especial, mas faz o que tem a fazer), acontecia em quase 50% das cutscenes do jogo. Em algumas situações também ocorreu enquanto atravessava o mapa e obviamente, estragava o aspecto do jogo. Aponto também que o editing das cutscenes tem momentos muito estranhos, parecendo que passaram da “Cena A” à “Cena B” e esqueceram-se de meter a transição no meio, não afecta a narrativa, mas da meia dúzia de vezes que aconteceu, deixou-me a pensar o que é que se passou nos cinco segundos que o jogo saltou e não precisava.

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Dito isto, grande diferença visual entre Days Gone e os restantes exclusivos da PlayStation tem de ser a perfomance. Jogos como Horizon Zero Dawn, Uncharted 4, ou God of War gabam uma apresentação gráfica fortíssima enquanto correm nos seus poucos, mas estáveis (e cinemáticos) 30 frames por segundo. Days Gone corre a 30fps, mas falha na parte de ser estável, há demasiados drops enquanto se conduz na mota, e chega a alturas (felizmente poucas) em que parece mesmo cair para os 15-20fps, o que é inadmissível e irritante. Depois das últimas actualizações, a performance melhorou, mas ainda não está no nível ideal. Espero que a Bend Studio continue a melhorar isto, e oxalá possa jogar Days Gone a 60fps na PS5, porque parece-me um salto em framerate que melhorará imenso o aspecto do jogo.

Quanto à banda sonora. As músicas de Days Gone adaptam-se bastante bem à atmosfera do jogo, sobretudo nas situações de tensão onde estão perto duma horda e estão a evitar ganhar a sua atenção. Algumas até me lembraram da OST de The Last of Us, o que não é mau, ambos os jogos possuem um tom mais sério e são pós apocalípticos, logo haverá algumas semelhanças. Há também uma ou duas músicas em Days Gone que se destacam por serem cantadas, e pelos momentos em que aparecem. Destaco a Hell or High Water, foi uma das minhas favoritas no jogo. No que toca ao sound design, não tenho muito a destacar, faz o que deve na maior parte das vezes, tirando num ou dois bugs que tive onde certos SFX não soavam.

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Por fim, o gameplay de Days Gone. Grande parte do tempo no jogo é passado a conduzir a mota que vós próprios modificam e melhoram ao longo da campanha, pelo que o feel da condução era uma preocupação minha que acabou sendo apagada após uns momentos a conduzir. Levei uns minutos a adaptar-me aos controlos e sensação da mota do Deacon, mas assim que o fiz, conduzir pelos montes e caminhos de Oregon tornou-se bastante satisfatório, houve apenas uns bugs ocasionais, alguns até engraçados, contudo, têm a opção de “conduzir” a mota com o motor desligado para não emitir sons que possam atrair inimigos, e por alguma razão as físicas da mota tornam-se diferentes, parecendo que estão em cima de esferovite por ser tão leve que o Deacon consegue pará-la imediatamente ao descer uma colina. Terão de estar atentos à condição e combustível da mota para não ficarem à deriva no meio de freakers tendo como única opção fugir a pé. Felizmente, se tiverem o devido cuidado não sofrerão esse fim (eu joguei em Hard e nunca fiquei sem combustível). Oregon tem postos de gasolina e carros com partes suficientes para manterem a vossa motorizada em condições decentes. O jogo beneficia bastante aqueles que param para explorar para encontrar mantimentos e melhorias, chamadas NERO Injectors, que aumentam o limite máximo do HP, Stamina ou Focus de Deacon, ou, se estiverem com azar, encontram um gigante ninho de Freakers recheado com uma horda de centenas deles. Um dos meus aspectos favoritos de Oregon é a presença e impacto dos freakers no mundo, para além da sua rotina mudar consoante o dia ou noite, nunca sabem se poderão encontrar uma horda inteira no meio da noite ao acaso, ou se o caos que o Deacon e os inimigos estão a causar em combate atrairá uma ao acampamento, e nesse caso, podem usar os freakers a vosso favor e deixá-los devorar todos os inimigos no acampamento enquanto se escondem à distância, ou terem o azar de serem encontrados primeiro e fugir pela vossa vida. Porém, variado que seja o mundo, a maior parte das actividades em Oregon equivalem às típicas checklists que encontram nos muitos AAA’s de mundo aberto, queimar ninhos, dizimar hordas, destruir campos de emboscada, etc. Portanto, se estão saturados do género, isto é logo um ponto negativo considerável. Não ajuda que os coleccionáveis – à excepção dos audio logs – que encontram pouco ou nada adicionam à narrativa do jogo ou do mundo.

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Days Gone tem random events sinalizados no mini-mapa com um ponto de interrogação, a maior parte obrigando o jogador a “investigar” o que se passou à la Witcher, onde têm de seguir as pegadas até à próxima pista. A mecânica em si não é nada de interessante, mas no caso de Days Gone, torna-se ainda pior porque as pegadas mal se vêm mesmo com os “Witcher Senses” ou “Eagle Vision” do jogo activados. Acabando por me deixar simplesmente seguir em frente até ao próximo círculo sinalizado no minimapa, para no final de contas, encontrar um grupo de inimigos, ou alguns mantimentos, com alguma sorte, encontrava alguém a precisar de ajuda (podem enviar pessoas que salvem para um acampamento para receber créditos e confiança, que é de longe a melhor recompensa destes random events). Contudo, tudo isto é partindo do princípio que o random event não desaparecia espontaneamente, pois acontecia-me com alguma frequência, levando-me a desistir dessas actividades a meio do jogo, passando a ignorar sempre que aparecia um ponto de interrogação no mapa.

Neste último parágrafo falo também do que acho ser dois dos aspectos mais inúteis do jogo. O minimapa e o equivalente da “Eagle Vision“. Em vez do minimapa, preferia um compasso ou um waypoint dinâmico como no Horizon Zero Dawn ou God of War, porque poucas vezes olhava para lá e o mundo é transparente o suficiente para vos mostrar pontos de interesse sem o sinal do minimapa. Quanto à “Eagle Vision”, praticamente nunca a usei, serve apenas para sinalizar onde há itens de interesse, os quais conseguia ver onde estavam facilmente a olho nu, e podem desbloquear uma habilidade na skill tree para revelar a posição dos inimigos, uma habilidade, na minha opinião, igualmente inútil ou até contra-produtiva.

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Quanto ao shooting, a ausência de aim assist é algo que notei logo, pelo que leva um pouco adaptar-se ao shooting com um comando. As armas são variadas o suficiente para não parecerem todas iguais, pelo contrário, as diferença entre as armas é notória, dando logo a sensação de realização ao jogador quando compram uma mais valiosa. Visto que ao longo do jogo encontrarão acampamentos com armas novas, e ao executar missões e outras actividades ganharão créditos e confiança do acampamento. Os créditos servem para comprar novas armas e melhorias na mota, munição, etc, enquanto a confiança desbloqueia melhorias e armas superiores, podem também desbloquear novos itens e crafting recipes ao limpar campos de emboscada. Ao início mal terão equipamento suficiente para enfrentar um grupo de freakers, mas para o fim do jogo terão um arsenal poderoso que chegue para queimar uma horda inteira. Lamentavelmente, o AI dos inimigos humanos consegue ser bastante mau, por vezes quando se iam proteger atrás de algo, ficavam do lado virado para mim, completamente à mostra. Os freakers conseguiam ser mais espertos que os humanos, já que quando enfrentava uma horda, estes utilizavam os números em sua vantagem para me tentar cercar em espaços abertos.

Antes da conclusão, quero apontar que o loading time inicial é extremamente longo, mais longo que o de Horizon Zero Dawn. E o Photo Mode é bastante detalhado.

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Days Gone é um mixed bag, o mundo é lindo e tem dinâmicas interessantes com os freakers, o shooting e condução são satisfatórios, e as actividades são em grande quantidade, tendo a minha playthrough durado cerca de 50-60 horas (e não completei a 100%). Apesar do jogo no geral ser divertido, há uma grande quantidade de bugs, má performance e alguns aspectos mal executados ou até dispensáveis que reduzem a sua qualidade. Se Days Gone não tivesse estes problemas técnicos e melhorasse um ou dois aspectos que apontei, dar-lhe-ia um 8 em 10, mas no seu estado actual, classifico-o com uma nota de 7 em 10. Por 60€ não aconselho a compra, mas num saldo é uma boa aquisição para perder umas dezenas de horas.

Days Gone no OpenCritic

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