Em 2015, após sair da Konami e de iniciar parceria com a Sony, instalou-se muita curiosidade em relação ao futuro de um dos directores mais respeitados da indústria dos videojogos. Em 2016, Hideo Kojima, o criador de Metal Gear, revelou-nos que o seu próximo jogo era Death Stranding e contava com Norman Reedus, o mesmo actor que teve o papel principal no cancelado Silent Hills. Depois de 3 anos e vários teasers e trailers enigmáticos a instalar confusão entre a maior parte dos jogadores, Death Stranding é lançado e bem recebido pelo público geral, ainda que não se afastando de polémicas e opiniões divisivas, tanto dos jogadores como dos media, pela sua natureza de gameplay mais experiencial. Actualmente o jogo conta com 83 de pontuação no OpenCritic e uma recomendação de 76% entre 131 análises.
Death Stranding está disponível para PlayStation 4 e será lançado em 2020 no PC, com um port publicado pela 505 Games. Quero já agradecer à Sony por nos ter disponibilizado uma cópia do jogo para esta review.
Baptizado pelo próprio director como um “Action game/Strand Game“, Death Stranding tenta criar um novo subgénero dentro dos jogos de acção/aventura. Se dissecarmos todo o gameplay do jogo, não há nenhum conceito ou mecânica introduzida que seja de facto inédita, mas ao olhar para o resultado da experiência como um todo, é seguro dizer que Death Stranding é, no mínimo, único na sua execução. Não obstante, ainda é cedo para dizer se o jogo realmente inventa um género novo, visto que o seu impacto na indústria ainda está por acontecer (se acontecer).

Sam Bridges (Norman Reedus) é um “porter“, alguém que transporta mercadoria entre pontos habitados nos EUA após o “Death Stranding“, um evento que quase extinguiu a raça humana e deu-nos a conhecer os BTs (Beached Things), entidades invisíveis ao olho nu que consomem humanos e causam enormes explosões (voidouts), constituindo um dos maiores obstáculos ao jogador durante o jogo. Tendo em conta o cargo de Sam, a maior parte do jogo é passada a fazer entregas entre postos e a caminhar pelo mundo desolado, porém lindíssimo, de Death Stranding. As vistas estonteantes no topo de planaltos ou em zonas abertas provam que os visuais do jogo são um dos seus pontos mais fortes. Graças à longa draw distance e ao detalhe foto-realista, foram poucas as vezes em que não fiquei deslumbrado com a paisagem. Algumas pedras e montes com texturas de baixa qualidade são excepção, talvez por não carregarem devidamente. Os modelos humanos e as caras dos personagens obtidas por motion capture têm a qualidade que se espera de um projecto deste calibre, enquanto que os modelos dos BTs são monstruosos. Nota-se um trabalho fenomenal nas animações, especialmente no movimento do Sam; cada inclinação, deslize ou desequilíbrio dá feedback importante ao jogador, ajudando a evitar aquelas perigosas quedas que resultam em mercadoria estragada. O jogo corre a 30fps surpreendentemente estáveis. Foi rara a ocorrência de quedas de frames na minha PlayStation 4 normal.
Para elevar a experiência de cada comuta de Sam pelo montes rochosos norte-americanos, somos acompanhados por um sound design incrível. Tendo jogado a maior parte do jogo com um headset, a atenção do jogo ao detalhe sonoro é admirável, desde o som do choque das placas de metal no fato de Sam, das suas botas a esmagar as pedras no solo, ou o bafo aterrador de um BT invisível perto de mim. Já a banda sonora é obra de vários artistas e compositores como Ludvig Forssell (compositor de alguns temas de Metal Gear Solid V Ground Zeroes e The Phantom Pain), Low Roar e CHVRCHES, o que ajuda a torná-la memorável quando estão numa calma caminhada ou num combate épico contra um BT.

Death Stranding toma um sistema de quests simples, onde acedemos a terminais disponíveis em várias estações do mapa e aceitamos as tarefas lá listadas. Estas tarefas estão divididas entre as comuns e as exclusivas ao Sam. A maior parte das tarefas comuns são irrelevantes para o avanço da história principal e poucas fiz durante a minha playthrough. Servem principalmente para aumentar a pontuação do Sam, o que reflecte a habilidade/experiência como “porter” no jogo e afecta a vossa relação com a estação em questão. Ao melhorar a relação com as estações, desbloqueiam novo equipamento. Desbloquear novo equipamento foi, pessoalmente, um dos aspectos mais satisfatórios do jogo. É quase todo bastante útil e transmite um sentido de progressão equilibrado e ritmado, mantendo o gameplay fresco.
Com a experiência que tive, digo que Death Stranding é mais bem jogado quando planeiam as vossas rotas em antecedência. O jogo dá informação suficiente para saber sempre que tipo de equipamento levar comigo, o que torna qualquer imprevisto durante o caminho mais um desafio de improvisação do que um obstáculo frustrante. Ainda assim, certos momentos fizeram-me sentir obrigado a recuar para o último save, ou por ter estragado a carga graças a um pequeno deslize do Sam ou por ser apanhado pelos BTs graças a um salto acidental.
Embora haja queixas quanto ao sistema de transporte de carga – todo o equipamento está fisicamente presente no jogo, logo, não podem levar demasiado, ou correm o risco de se desequilibrarem – não me revejo nestas queixas. Este sistema acentua o aspecto de preparação com antecedência do jogo e elevou a minha experiência e imersão. Os controlos, embora geralmente responsivos, podem provocar “soluços” que, aos mais azarados, causam danos literais. Dito isto, quer considerem o jogo um “walking sim” ou não, caminhar, escalar e deslizar pelas planícies verdes, planaltos rochosos e montanhas cobertas de neve é mais relaxante e aliciante do que pode soar à primeira. Não posso dizer o mesmo quanto à condução, especialmente da mota. Embora se conduza perfeitamente em zonas planas e estradas, a partir do momento que a tentam conduzir em terreno rugoso, vai parecer que estão a montar um boi que fica mais agitado sempre que carregam no acelerador. As físicas da mota viram completamente do avesso e mais vale deixarem-na para trás.
Para além duma barra de vida, Sam tem uma barra de stamina com duas camadas. A primeira serve como stamina “máxima” e vai-se descarregando lentamente, enquanto não descansam. A segunda camada aplica-se a acções que requerem mais esforço físico do Sam, como correr, escalar e saltar. Dependendo do terreno, gastam stamina a ritmos diferentes: a neve e o vento forte requerem muito mais esforço físico do que descer uma inclinação. A chuva, em especial, requer mais atenção porque, em Death Stranding, esta acelera o envelhecimento de tudo aquilo em que toca, logo, se permanecerem demasiado tempo à chuva, vão sofrer danos na vossa carga e equipamento.

O componente multiplayer serve como uma ajuda à vossa caminhada. Podem apanhar carga deixada para trás por outros jogadores e entregá-la para “likes” extra (os likes funcionam como pontuação). Podem construir equipamento e edificações como pontes, torres de vigia, estradas, abrigos, ou simplesmente mensagens e sinais, ou utilizar as de outros jogadores, em troca de likes. Não é uma componente crucial para progredir, mas é sem dúvida útil.
Uma última nota no que toca ao gameplay: o combate. Como seria de esperar, este não é o foco de Death Stranding e nota-se. As armas não têm propriamente uma sensação orgânica de peso ou de satisfação e o stealth é muito modesto – mais do que devia. Cheguei a desistir do stealth em campos de MULEs (humanos que caçam porters e roubam a sua carga), correndo simplesmente de uma ponta à outra antes que pudessem apanhar-me. Há partes em que são obrigados a combater e senti em praticamente todas (bosses incluídos) que estava apenas a descarregar todas as balas que tinha nos inimigos. Mesmo tendo jogado em Hard, os bosses não são nada mais que bullet sponges que se tornam ligeiramente perigosos quando se aproximam. Dei por mim a fugir da maior parte dos BTs que me apanhavam porque derrotá-los levava mais tempo do que o que compensava. A recompensa por derrotar BTs é uma grande quantidade de Chiral Crystals, um material de construção importante, mas demasiado comum. Os que apanhava pelo mapa eram mais do que suficiente. Quanto aos próprios MULEs: deixam de ser uma ameaça a partir do momento em que a Bola Gun é obtida. Encontros só voltam a ser minimamente intensos quando encontram terroristas com armas de fogo.

O “miolo” dos jogos do Kojima costuma ser a narrativa e… bem, por onde começar? Logo de partida é claro o potencial das ideias que Kojima apresenta para o setting de Death Stranding. Toda a construção do mundo, ambiente e mistério duma América pós-apocalíptica devido a um desastre e ao aparecimento de entidades presas entre o mundo dos mortos e dos vivos que ameaçam a raça humana agarrou o meu interesse de imediato. A minha curiosidade era saciada pelos pedaços de lore que ia desbloqueando durante o jogo, fossem eles mais informação sobre o próprio mundo actual, descobertas sobre os BTs e beaches de há milénios atrás, ou até explicações científicas sobre os fenómenos testemunhados durante a história.
O director japonês quis realçar a importância da conexão entre humanos e implementou isso tanto no gameplay (com o que falei em cima), como na narrativa. Recorreu muito à metáfora da “rope” e “stick”, esperando que os jogadores percebessem a importância do mesmo. Um dos pontos principais do enredo é reconectar a América e acabar com as “paredes” e com a isolação a que os humanos estão tão acostumados. O próprio enredo conta com vários momentos (cutscenes e gameplay) e twists memoráveis. Infelizmente, a qualidade da escrita afunda a narrativa como dois cubos de cimento colados aos seus pés.
Hideo Kojima comete o clássico erro de contar todos os detalhes que pode através de diálogo expositivo medíocre (com momentos especialmente maus) ou longos e aborrecidos monólogos. Muito do que ouvem das personagens é desnecessário e podia ter sido (em alguns casos até foi) mostrado em cutscenes ou gameplay. Esta necessidade de vomitar discursos de informação ao jogador acaba por nem fazer sentido para a narrativa. O Sam tem fama de ser uma lenda entre os porters e é conhecido por quase todas as personagens, todavia é tratado como se fosse um amador amnésico no seu primeiro dia de trabalho para a Bridges. Alguém devia fazer uma contagem de quantas vezes é dito “A Amelie está à tua espera em Edge Knot City”. Escrita à parte, a perfomance dos actores é sólida, havendo um destaque para a actuação pesada de Mads Mikkelsen como Cliff Unger e a extravagância de Troy Baker como Higgs.

É difícil evitar o cliché “este jogo não é para todos” ao analisar Death Stranding. É igualmente difícil aconselhá-lo a quem não gosta de caminhar em jogos. Ainda assim, se estiverem mais abertos a novas experiências menos bombásticas em jogos AAA, poderão ficar surpreendidos com Death Stranding, desde que não esperem uma narrativa bem escrita com cutscenes com menos de uma ou duas horas. Levei cerca de 40 horas a chegar ao final da história e posso dizer que o jogo foi, pela maior parte, sólido. O gameplay envolvente e extremamente polido, excelente banda sonora e visuais deslumbrantes oferecem uma classificação de 8 em 10 ao novo IP de Hideo Kojima.
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