“Slay the Spire” é um deck building roguelike; e o primeiro jogo da Mega Crit Games. Com três personagens únicas (The Ironclad, The Silent, The Defect), irão subir a infernal e amaldiçoada Spire, tentando conjugar estrategicamente um build (=deck + relics) com as cartas e reliquias que se disponibilizam ao longo da vossa run. Agradecemos à Humble Bundle por fornecer um código do jogo para esta review. Encontra-se disponível no PC, Playstation 4, Xbox One e Nintendo Switch.
Combate básico
Antes de iniciar a análise do jogo, senti-me obrigado a expor da forma mais aborrecida possível os efeitos e cartas que o jogo tem, devido à sua quantidade e nomenclatura, para que tenham um melhor conhecimento do núcleo da jogabilidade.
Fig. 1 Fig. 2 Um dos vários eventos que encontrarão
Attack cards – cartas ofensivas que causam dano e podem conter debuffs
Skill cards – cartas defensivas que, ou protegem contra dano, ou que podem fazer buff ou debuff
Power cards – cartas com efeitos permanentes até ao fim do combate (removida do baralho assim que jogada)
Status – cartas injogáveis com efeitos negativos: causar dano ao jogador, simplesmente ocupar espaço de outras cartas (com raras excepções, são removidas no final do combate)
Curse – cartas injogáveis obtidas a partir de eventos com efeitos negativos.
Relíquias – objectos poderosos que podem ser obtidos a partir de eventos, chests, elites e do mercador.
Gold – unidade monetária utilizada para comprar cartas, relíquias e remover cartas no mercador; gold também pode ser necessário para certos eventos.
Começam cada turno com cinco cartas na mão e três energias (o número e o tipo de cartas com que começam varia com a personagem); cada carta tem um custo específico – os decks são únicos para cada personagem; enquanto apenas algumas relíquias pertencem a diferentes personagens. O turno acaba quando não puderem jogar mais cartas.
The Spire
Independentemente da vossa personagem, acordam sempre Exordium, o primeiro de três actos. Onde uma estranha criatura chamada Neow, guia-vos para o coração da Spire que se esconde no topo. No mapa do acto City (Fig. 3), podem verificar que cada acto divide-se em encontros simples contra inimigos comuns, eventos, elites, tesouros e rest sites.

Nos combates tentarão conjugar vossas cartas (e energia) defendendo e atacando os inimigos oportunamente, analisando os seus padrões. No caso de uma elite como o Gremlin Nob, o perigo deste oponente resulta do efeito do Enrage, que aumenta a sua Strength sempre que jogam uma Skill Card, limitando o uso de cartas defensivas. Assim, poderão escolher entre infligir o máximo de dano possível, enquanto vulneráveis até ao final do combate; tentar balançar defesa com ataque, contudo a longo prazo o Gremlin Nob, ficará cada vez mais forte; ou defender apenas em extrema necessidade.
Após cada combate recebem gold e escolhem uma de três cartas aleatórias para juntar ao vosso deck (contra as elites também recebem uma relíquia). Para além dos combates, também poderão adquirir cartas com certos eventos e pelo Mercador, gradualmente formando o núcleo do vosso deck. Porém, nas vossas runs terão que julgar quais são as cartas com mais valor para o deck que entendem formar, pois nem sempre a carta mais rara é a mais adequada para o vosso build.

Assim, nem sempre será possível construir o deck perfeito, obrigando-vos a adaptar. Essa adaptação é chave para guiar a vossa jornada. Muitas vezes terão de decidir cedo qual dos caminhos é que querem percorrer. Por exemplo, têm 70% do vosso HP máximo, para a vossa esquerda têm dois combates normais, seguido de um rest site, porém, terão que enfrentar uma elite após; por outro lado, podem ir Mercador, para remover uma Curse e comprar uma relíquia, mas só terão um rest site para recuperar antes do boss do acto.

Estas breves e monótonas descrições não fazem justiça ao quão divertido e táctico o combate consegue ser; e são apenas alguns exemplos da dezenas de encontros que passarão. Estando limitado a três energias por turno, muitas vezes tendo que balançar a vossa estratégia, com ataques e defesas contra múltiplos inimigos. O ethos do jogo é risco e recompensa, seja no seu combate, na escolhas dos caminhos e o que enfrentar. Será que luto contra uma elite seguida de dois encontros normais para chegar ao Mercador? Ou faço dois encontros normais e uma incógnita – será um evento positivo ou negativo? Levo um Catalyst, um Leg Sweep ou Burst?
Visuais e banda sonora
Visualmente o jogo segue um estilo simples na apresentação das criaturas, dos locais e das cartas. Em cada um dos actos temos diferentes cenários: as catacombas no Exordium, torres imponentes no City e os dentados e esqueléticos corredores do Beyond; o design das criaturas e das cartas são criativos. Ultimamente, é prestável, não eleva como não diminui a experiência geral.
Relativamente à banda sonora, composta por Clark Aboud, tem uma identidade energética, orquestral e synth, com foco melódico que cobre o jogo. Exordium e Escape Plan, oferecem melodias carregadas de mistério e ambiente, ainda mantendo os andamentos mais rápidos da maioria das composições; Battle With the Champ, segue ortodoxamente o ethos energético, aventuroso e bombástico da banda sonora, em que os instrumentos de sopro e cordas são dinâmicos; The Beyond, as cordas adquirem uma estranheza e uma melodia sombria, suportadas pelos instrumentos de sopro que anunciam um perigo escondido, representando o ambiente decrépito deste terceiro acto.
Cartas, combinações e “replayability”
Como referido, o elemento que mais se destaca em “Slay the Spire” é, inevitavelmente, a jogabilidade. Os elementos roguelike aliados à mecânica deck-building que fornecem uma miríade de possibilidades. A procura da harmonia entre as cartas e as relíquias empurram-nos para frustrantes derrotas e orgulhosas vitórias.
Enquanto que a estratégia consegue manter-se interessante após dezenas de horas devido à aleatoriedade das cartas providas, este último elemento também afecta negativamente as várias runs do jogo. Não será incomum sentirem-se frustrados com playthroughs, por vezes sequenciais, em que não são capazes de ultrapassar além do primeiro ou segundo acto. Principalmente se tiverem a tentar alcançar a Spire ou jogarem com o Ascension mode activado, sendo doloroso fazer várias runs em que não conseguem realizar/avançar absolutamente nada.

Por um lado, a finita maleabilidade de cada deck permite decifrar as possíveis conjugações disponíveis – como também as melhores -, por outro lado, também condiciona a criatividade na criação de um deck; pois procura-se formar um deck optimizado para conseguir alcançar o final da run. Assim, há certas combinações de cartas que acabam por funcionar melhor que outras, não só no “damage output” como no tempo, devido à sua especialização. Empiricamente, já tive decks que me permitiram chegar ao final do terceiro acto em acerca de trinta minutos, como outros que levaram acerca de duas horas.
Por exemplo, no caso da Silent, podem remover o maior número de strikes e defends (começam com cinco cartas de cada), enquanto que acrescentam cartas de ataque que diminuem o ataque do inimigo, como o Neutralize ou Sucker punch (com a relíquia do Paper Frog incrementam a percentagem de weak); e, Skill Cards como Leg Sweep (que também causa weak), Dodge n’ Roll e um Footwork para aumentar a defesa providenciada; por fim, dependendo de um dano com em veneno com Poison Stab, Noxious Fumes, Catalyst. O número de cartas total, seria acerca de vinte e oito a trinta – um pouco acima do número de cartas que prefiro num deck – contudo, Noxious Fumes, Footwork e Catalyst são cartas que apenas têm um uso por batalha, definhando o deck, tornando-o mais sinérgico para a minha estratégia.

Para as outras personagens, como o Ironclad guiando o deck para um build defensivo, desta maneira removendo algumas cartas de ataque -deixando apenas as essenciais -, conjugando Barricade, Entrench e outras cartas de defesa com um Juggernaut e Body Slam para infligir dano. E no Defect em que conseguem remover as cartas focadas em “power” por cartas de ataque de custo zero combinadas com All for One.
Ao jogarem com as diferentes personagens desbloquearão mais cartas e relíquias, que possibilitaram novas combinações e tácticas. O tempo investido leva a um maior entendimento variáveis em jogo, i. e., compreender quais as relíquias, eventos, inimigos ou cartas que podem surgir. Por exemplo, no caso do Ironclad, construir um deck baseado em cartas que fazem “exhaust” – pessoalmente, algo demasiado volátil. Este tipo de base é beneficiado por duas relíquias raras que podem surgir entre o segundo e terceiro acto: Charon’s Ashes (exclusiva ao Ironclad), que causa três de dano a todos os inimigos sempre que uma carta é exausta; e, Dead Branch, que adiciona uma carta aleatória à vossa mão sempre que outra carta é exausta. Desta maneira, um deck que tenha uma estratégia dedicada, ou, em parte focada em cartas exhaust, é arriscada, contudo, se encontrarem estas duas relíquias, o valor/potencial do deck crescerá exponencialmente.
Numa nota final sobre esta secção, acrescento que, os modos de jogo: Ascension (vinte níveis de condições que acumulam, começando com o aumento de elites), Daily Climb (onde competem com outros jogadores online sob modificadores especiais para acumular o máximo de pontos possíveis) e Custom (destaca-se este modo pela acessibilidade disponibilizando fabricarem as condições que entenderem) acrescentam longevidade à experiência. Infelizmente, também tive alguns bugs como efeitos de cartas e relíquias não activarem, no entanto o mais abominável foi o jogo crashar sempre que iniciava uma run durante um mês inteiro. Actualmente, este bug já não se encontra disponível em nenhuma das plataformas.
Conclusão
“Slay the Spire” é um devastante e viciante roguelite. A procura de sinergia entre as cartas e os esforços para derrotar a Spire, seja com as condições do Ascension mode ou não, estimulam cada vitória e cada derrota. Desta forma, o jogo é uma fácil recomendação, em particular, se apreciam a camada táctica de jogos de cartas como Magic: the Gathering e das adversidades do género roguelite. A nota final é 8.5 em 10.