É uma boa altura para ser fã de jogos de Digimon, muito graças aos Digimon Story Cyber Sleuth que revitalizou a popularidade da série no ocidente. Os jogos, apesar das suas falhas, têm ganho um seguimento por parte dos fãs de JRPGs e nada me assegura mais disso do que o lançamento e popularidade deste novo Digimon Story: Time Stranger, que aparenta ser o jogo da franquia mais bem sucedido até agora, tanto no que toca à receção crítica, como à do público.

Eu cresci com Digimon – já o disse na minha análise ao Digimon Survive – foi das séries que nunca se desprendeu de mim verdadeiramente, então depois de oito anos desde o anúncio deste projeto, quando o diretor Kazumasa Habu ainda dirigia a equipa, ver Digimon Story Time Stranger a ser lançado e bem recebido enche-me de orgulho.
Antecipo já a análise ao dizer que diverti-me imenso a jogar Time Stranger, não escondo a minha parcialidade. Contudo, não é um jogo perfeito, e como eu costumo ser crítico com as típicas tropes e fórmulas dos RPGs nipónicos, este jogo não é exceção.

O nosso protagonista, referido como “Agent”, cujo pai Dr. Yuki desapareceu num evento relacionado com Digimons há anos, é chamado para investigar um local em Tokyo invadido por monstros, e é durante esta investigação que o Agent conhece Inori, e mais tarde um Digimon especial, conhecido como Aegiomon. As suas aventuras e investigação acabam por fazer com que as personagens principais não só viagem entre os mundos real e digital, mas também no tempo.
Podem esperar da narrativa de Time Stranger o mesmo que esperariam de qualquer outro JRPG: escrita medíocre com imenso diálogo expositivo (já vos disse que o vosso pai, Dr. Yuki, desapareceu num evento relacionado com Digimons há muito tempo?) e enredos desnecessariamente complexos para puxar dum plot twist mais à frente. Existem alguns momentos ligados a personagens ligeiramente fortes, quando o jogo decide abrandar um bocado e deixar a relação entre a Inori e o Aegiomon destacar-se, sobretudo nos primeiros e últimos capítulos. No geral, a narrativa não foge muito do que o Cyber Sleuth e Hacker’s Memory fizeram, portanto, se gostaram da história nesses jogos, também vão gostar deste. O mundo e lore em si é mais interessante que o enredo, para mim, e este mundo digital é bem mais explorado que o de Cyber Sleuth, e gostei de como os “Olympos XII” – o grupo de Digimons em destaque neste jogo (equivalente aos que fizeram com os Royal Knights em Cyber Sleuth) – foram introduzidos, com algumas surpresas pelo meio para quem está familiarizado com a lore de Digimon.
O ritmo ainda assim está melhor do que esperava, há muito diálogo sim, mas está mais bem espaçado entre as sequências de gameplay, onde os avanços do enredo são quebrados por mais exploração e combates comparado com os seus predecessores, e diria até que não há tanta palha durante a campanha principal.

O conteúdo secundário já não é tão interessante. Tirando algumas quests no final do jogo, é tudo muito descartável, insosso ou simplesmente nada. É conteúdo para ajudar a desbloquear a skill tree e evoluir Digimons, e tenho pena que não tenham usado isto para aprofundar o lore e explorar o Mundo Digital.
Gostava que o mundo em si também tivesse sido maior e mais aberto. Embora bonito e detalhado, Time Stranger ainda se joga como um JRPG da Vita, no sentido em que exploramos pequenas e limitadas áreas do mundo. Num jogo que levou 8 anos a ser desenvolvido e saiu exclusivamente para a geração atual de consolas, esperava mais liberdade, e podiam ter tentado criar algo mais aberto e reativo, por exemplo as áreas abertas dos Monster Hunter, ou simplesmente expandir o que fizeram em Digimon World Next Order. Ajudaria imenso a fazer com que o Mundo Digital parecesse mesmo um novo mundo, em vez dum conjunto de níveis.
Já colecionar e evoluir Digimons continua mais viciante que nunca. Adoro que a árvore de evoluções não mostre Digimons que não conhecemos, e quando não estamos a olhar para a silhueta dum Digimon familiar como o Wargreymon, é como estar a abrir uma caixa mistério de Digimons, tanto nos pode sair uma Digimon motoqueira, um peixe balão com braços enormes, ou um Mechagodzilla feito de revólveres. Muitas vezes dizia para mim próprio “Só mais um bocadinho, para poder evoluir o meu Mamemon”, e passava outra hora a combater e a treinar.

O sistema de combate é divertido, mas não se afasta do típico combate por turnos JRPG. Usam a vossa party com três Digimons principais, que podem trocar durante o combate, e a estratégia resume-se a construir uma party variada em tipos e subtipos de Digimons para abusar das vantagens de tipos durante o combate. Podem usar itens sem consumir o turno do Digimon, e se jogarem nas dificuldades mais altas, estes itens são cruciais para os bosses. Há algumas sinergias entre Digimons e até andei a construir parties específicas para alguns dos bosses mais difíceis. Ainda assim, gostava de ter visto mais mecânicas para expandir o sistema de combate, temos jogos com o Metaphor ReFantazio e Persona, onde abusar de fraquezas oferece-nos outro turno ou o excelente Clair Obscur que fez do parry e dodge uma mecânica chave do combate. Comparado a esses jogos, Digimon é mais rudimentar, mas o que me aborrece é que mesmo dentro da própria franquia, Digimon já teve ideias interessantes para o combate por turnos, por exemplo: Digimon Adventure para a PSP, onde existia uma “fila de espera” para os ataques que podia ser manipulada pelas habilidades dos Digimons, fazendo com que pudessem atacar várias vezes seguidas e atrasar os ataques do inimigo, uma mecânica que também foi utilizada de forma semelhante no Pokémon Legends Arceus, e no menos conhecido Ruined King.
Em Time Stranger, a mecânica nova é a “Cross Arts“, uma habilidade do protagonista, onde usa a sua pistola/digivice para fortalecer os aliados ou atacar os inimigos, mas esta habilidade é demasiado superficial. Atenção, as Cross Arts fazem diferença no combate, mas: só podem escolher a Cross Art que usam fora do combate, ou seja, não funciona como uma habilidade reactiva; E todos os seus poderes são simples, limitam-se a buffs, debuffs, dano ou heal. Podiam ter feito algo mais com a mecânica que a diferenciasse duma habilidade simples que qualquer Digimon aprenda. Por exemplo, dada a natureza evolutiva dos Digimons, podiam ter feito uma Cross Art que evoluísse um membro da vossa party para uma evolução aleatória por um turno, mas porque foi forçado a evoluir, ele voltava à forma bebé no turno seguinte até ao final do combate, ou uma Cross Art que transformasse um dos vossos Digimons numa Sprite (isto é um status debuff que existe no jogo), mas esse Digimon ganhasse imenso ataque. Essencialmente, sinto que as Cross Arts podiam ter sido mais criativas.
Acabei o jogo em 54 horas, fiz quase todo o conteúdo opcional, à exceção duns combates no post game, mas não completei o Field Guide (ou “DigiDex“, se preferirem esse termo não oficial). Quero voltar ao jogo para fazer isso, e eventualmente completar uma run em New Game+ na dificuldade máxima, antes de desaparecer como o Dr. Yuki, o nosso pai, depois dum evento relacionado com Digimons há uns anos.

Diverti-me imenso com Digimon Story: Time Stranger, apesar do jogo contar com todas as tropes de que me costumo queixar no que toca a JRPGs. Ao mesmo tempo, é um bom JRPG, se forem fãs do género, deem uma chance e prometo que não se vão arrepender. Se forem fãs de Digimon, é um jogo obrigatório, mas penso que por esta altura já o devem saber. Atribuo uma nota de 7 em 10.
Análise do jogo feita com base na versão Steam. Deixamos um agradecimento especial à Bandai Namco por ter fornecido uma chave do Digimon Story: Time Stranger.
