Prince of Persia: Revisitando a saga The Sands of Time

Prince of Persia é um nome que expira “clássico” dentro do mundo de videojogos. Criado por Jordan Mechner e lançado em 1989, o primeiro Prince of Persia é considerado pelos fãs retro um dos melhores jogos de sempre e é responsável por criar o “platformer cinemático”, um subgénero de jogos de plataformas com foco em movimentos e físicas realistas, para além de ter inspirado outros jogos de acção e aventura, entre eles, o popular Tomb Raider. Mas este artigo não se foca nas origens do Prince, para isso, recomendo assistirem ao vídeo do canal GVMERS que cobre todos os eventos desde a origem do jogo, ao eventual hiato. Com o anúncio do remake de Prince of Persia: The Sands of Time, eu resolvi comprar os quatro jogos que fazem parte da cronologia deste título: The Sands of Time, Warrior Within, The Two Thrones e The Forgotten Sands. Três dos quais eu joguei na altura do lançamento e ficaram comigo desde então. E o último que nunca cheguei a ter a oportunidade de jogar, até agora.

Depois de má experiências com o Prince of Persia 3D, Mechner afastou-se do desenvolvimento de videojogos. Em 2001, a Ubisoft comprou a licença para a série, embora Mechner continuasse a ser o proprietário da IP. Um ano dentro do desenvolvimento de Splinter Cell, a Ubisoft Montreal criou uns conceitos para a sua versão de Prince of Persia, que foi depois mostrada ao criador original; as possibilidades de gameplay mostradas nos mockups da Ubisoft renovaram o seu interesse em trabalhar na série e este acabou por se tornar consultor criativo para o jogo e eventualmente envolveu-se no desenvolvimento como game designer e escritor.

Prince of Persia: The Sands of Time foi lançado em 2003 e foi um sucesso crítico e comercial, tendo vendido 2 milhões de cópias no fim do ano. A primeira sequela, Warrior Within, foi lançada um ano depois e foi igualmente bem recebida pelos críticos, e um sucesso de vendas ainda maior, com 1.9 milhões de vendas no mês de estreia. The Two Thrones, o último capítulo da saga, foi lançado a Dezembro de 2005 e contou com o mesmo resultado dos seus antecessores. A saga manteve-se como uma trilogia durante algum tempo, a série sofreu um terceiro reboot em 2008 com o Prince of Persia, mas voltou atrás com em 2010, com o The Forgotten Sands, uma sequela narrativa ao The Sands of Time, contando-nos uma aventura do Prince, antes do Warrior Within.

A minha experiência…

Prince of Persia: The Sands of Time

A primeira coisa que tive de fazer assim que instalei o Sands of Time foi buscar um patch de widescreen à Internet porque o jogo não o suporta nativamente. A segunda foi desligar a opção de fog porque o nevoeiro no jogo estava tão carregado que tapava literalmente todo o ecrã. Com os problemas do port resolvidos e o jogo optimizado para um ecrã HD, lá comecei a aventura do Prince.

Depois de atacar o palácio do Marajá a comando do seu pai, o rei de Pérsia, para capturar as areias do tempo, somos introduzidos a um tutorial de movimento e plataformas e pouco depois o Prince descobre a adaga do tempo, um artefacto que consegue retroceder no tempo durante uns segundos e uma das mecânicas principais deste jogo. O Prince doa a adaga ao seu pai e juntos oferecem as areias do tempo ao Sultão de Azad, – é aí que o Prince é iludido a “abrir” as areias do tempo com a adaga pelo vilão do jogo, o Vizir – as areias consomem e transformam todos em monstros, à excepção do príncipe, o Vizir e Farah, filha do Marajá que fora capturada pelas tropas do Rei. O Prince e Farah conseguem escapar ao Vizir com a adaga do tempo e têm agora de tentar reparar todo o dano causado pelas areias do tempo.

A aventura é narrada pela perspectiva do Prince e, honestamente, não há nada de memorável nas 7-8 horas deste jogo em termos de narrativa e não é nada mais que um produto do seu tempo. Isto não é um aspecto imediatamente negativo porque a história serve apenas para guiar e marcar o ritmo do gameplay.

The Sands of Time é um platformer 3D diferente dos “Marios” e “Sonics” a que estamos habituados, e confesso que me surpreendeu para um jogo com 17 anos: os controlos do protagonista são na sua maior parte competentes (a câmara já tem mais dificuldades em acompanhar a acção) e o foco no aspecto de puzzles em conjunto com o platforming, em vez da habilidade do jogador com os controlos, realça a qualidade do level design do palácio e arredores do jogo. Somos compensados por observar o mapa e descobrir o caminho a tomar antes de começarmos a correr e saltar, e os reflexos ficam para segunda prioridade. Se cometerem um erro, podem simplesmente voltar uns segundos atrás no tempo e tentar outra vez, em vez de repetir todo o nível (desde que tenham areia na adaga, visto que consomem um “tanque” sempre que usam os seus poderes). As paredes e chão do castelo também estão repletas de pequenos sinais e dicas para guiar os jogadores, sejam marcas no chão onde objectos foram lá colocados, musgo na parede a servir de indicadores para sincronizarmos os saltos, ou emblemas não tão subtis à frente de portas e botões necessários para prosseguir. Seja como for, o platforming e puzzles foram a parte mais divertida de The Sands of Time, enquanto o combate sofria com o tempo e avanço pelo jogo.

O combate em The Sands of Time é bastante simples, e estiloso: o Prince faz acrobacias, mortais e piruetas, quase dançando de inimigo em inimigo, o que nos dá certamente uma sensação de heróis de acção. Infelizmente, quantas mais secções de combate o jogo me atirava à cara, menos divertido se tornava. Para derrotar os inimigos, o Prince tem que os derrubar e absorver com a adaga, coisa que ao início é fácil, mas com o crescimento de número de inimigos ao longo do jogo, o combate revertia-se para uma tarefa repetitiva: isolar os inimigos, derrubar e absorver antes que fosse interrompido. Vamos desbloqueando alguns poderes para facilitar o combate: paralisar o inimigo, atrasar o tempo, que consumem um tanque de areia cada, ou uma habilidade que necessitava termos todos os tanques de areia cheios para derrotarmos praticamente todos os inimigos em campo em segundos. Esta habilidade só está disponível quando têm tanques “completos” (derrotar um certo número de inimigos cria um tanque que se vai completando à medida que absorvem monstros, enquanto o tanque não estiver completamente formado, não podem usar esta habilidade mais forte). Dito isto, o combate é aceitável quando o Prince está sozinho. Quando estamos acompanhados pela Farah, já é outra história. A parte mais frustrante do jogo foi quando prendem o Prince e Farah num elevador: o campo de combate é pequeno e o número de inimigos é elevado, ter de absorver os monstros num espaço limitado já é um desafio, mas quando têm de proteger a Farah ao mesmo tempo, passamos de um desafio a um pesadelo. Perdi mais vezes nessa parte que no resto do jogo todo.

Os visuais do jogo já estão envelhecidos, como é de esperar, ainda assim o estilo artístico é apreciável e a arquitectura do palácio é bastante forte. Veremos como é que o remake irá traduzir o jogo para as plataformas actuais, embora depois de ver o trailer, tenho as minhas reservas em relação à escolha artística dos modelos e iluminação.


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Prince of Persia: Warrior Within

Isto foi uma mudança de tom e tanto. O Warrior Within é, da trilogia original, o que estava mais presente na minha memória, e com boa razão. Embora não aprecie todas as mudanças que o jogo trouxe à série, acabei a saga com a opinião que é o melhor jogo dos 4.

Em Warrior Within, o Prince é perseguido por uma sombra do passado (num sentido bastante literal). Dahaka é um demónio conectado às areias do tempo que persegue o Prince por este ter alterado o seu destino em The Sands of Time. Para conseguir escapar ao Dahaka, o Prince viaja para a Island of Time, na esperança conseguir de alguma forma parar a Imperatriz do Tempo de criar as areias no passado. A narrativa toma um tom bem mais sombrio, com um Prince menos humoroso e mais violento. Verdade seja dita, o que nos meados dos anos 2000 achava “negro” ou “sombrio” neste jogo, agora acho que a palavra “edgy” e “juvenil” se adequam muito melhor (coisa que é bem descrita pela infame tanga metálica de uma das vilãs).

Depois de uma pequena secção de tutorial o Prince chega à ilha e todo o jogo é passado na mesma. A própria ilha é um dos pontos mais fortes do jogo. Visitamos várias zonas da ilha mais que uma vez em timelines diferentes (o Prince terá de viajar no tempo durante o jogo para poder ultrapassar certos obstáculos), e estas variações do mapa e o seu design intercalado e diversificado quase lembra um metroidvania, e é pena não terem repetido isto nos jogos seguintes.

O movimento do Prince continua o mesmo do jogo anterior com algumas opções extra, no caso do parkour, as maiores alterações estão nos níveis e não no protagonista. Ao contrário do que apontei no The Sands of Time, agora há mais zonas onde dependerão dos vossos reflexos no comando (não obstante, continua a haver puzzles e zonas onde podem observar o mapa e planear a vossa rota). Com a mudança de tom nesta sequela, o jogo tomou um rumo mais próximo à acção em vez da aventura, e isto reflecte-se no combate.

Warrior Within pegou no combate acrobático do The Sands of Time e oferece mais opções e mecânicas: agora podemos apanhar armas do chão para utilizarmos ou atirarmos, o Prince pode agarrar os adversários e há uma maior variedade de combos e inimigos. Ver o Prince a saltar e a dar mortais por cima dos inimigos antes de cortar três monstros ao meio num só golpe resulta num combate bem mais vistoso e satisfatório. O maior número de tipos diferentes de oponentes e as ocasionais boss fights quebram a monotonia e repetição que assombravam o jogo antecessor, a sua frequência e intercalação entre as secções puzzle, plataformas e combate dá um bom ritmo à campanha. Claro que há uns podres lá para o meio; as secções onde temos de fugir do Dahaka não têm grande piada e não são tão intensas como tentam ser e o combate nem sempre funciona como queremos, as falhas nos controlos ou movimentos do Prince são raras mas frustrantes.

Acabado o Warrior Within (desta vez com o true ending), a ideia que eu tinha sobre a 2ª entrada na saga manteve-se, o tom narrativo do jogo não envelheceu bem, mas o combate, puzzles e “mundo aberto” fazem do Warrior Within uma boa evolução do The Sands of Time. Gostei mais do tempo que passei neste segundo jogo em relação ao primeiro. Agora, passando para o The Two Thrones, e tendo em conta a minha experiência anterior com o mesmo, já suspeitava que este não alcançasse a qualidade do seu antecessor.


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Prince of Persia: The Two Thrones

Logo após os eventos de Warrior Within, o Prince regressa a casa para descobrir que alterou a cronologia do tempo por completo. O Vizir ainda está vivo e, depois de capturar Kaileena, usa a adaga para recriar a areia, que volta a consumir todos à sua volta e afectando o Prince no processo, que agora tem outra entidade presente dentro de si e consegue transformar-se involuntariamente no Dark Prince.

Pareceu-me que The Two Thrones tentou misturar elementos dos primeiros dois jogos da saga, com o tom “edgy” característico e combate do Warrior Within mas voltando ao level design e platforming do The Sands of Time. Não tenho grande coisa a comentar em relação à narrativa que não tenha dito anteriormente. É um conto maioritariamente esquecível e longe de ser o melhor aspecto deste jogo. A adição do Dark Prince traz umas interacções razoavelmente interessantes com o protagonista e o regresso de personagens do primeiro jogo poderá ter agradado a alguns jogadores. Mas pouca reacção me provocou.

Uma das adições mais notórias é o “stealth“. E deixo stealth entre aspas porque é mesmo o mais superficial possível. O Prince, antes de entrar em combate, pode assassinar inimigos ao esgueirar-se por trás deles e atacar, se acertarem o timing (quando a adaga brilhar). Esta mecânica também é usada para boss fights, dando-lhes um tom mais cinemático com acrobacias especiais. Estas boss fights são provavelmente o melhor aspecto do jogo em relação às entradas anteriores. Há um maior numero de bosses, cada um bastante único e divertido de combater. Infelizmente o combate em si regrediu em relação ao Warrior Within, há menos opções de ataques e a única adição foi o Dark Prince que utiliza uma corrente para combater e movimentar-se, regenera os tanques de areia (usados para habilidades especiais) automaticamente, mas perde vida com o tempo. Contudo, esta versão negra do Prince serve, acima de tudo, como uma mudança visual, já que a estratégia para tanto o combate, como o platforming é a mesma ao Prince normal.

O regresso aos níveis lineares de The Sands of Time também foi um pouco desapontante para mim. Tendo gostado bastante do mapa mais aberto do Warrior Within penso que podiam ter replicado e aprofundado com um mapa de Babylon. Contudo, mesmo comparado com The Sands of Time, achei que o platforming deixava a desejar, poucas vezes senti que estava a jogar um “platforming puzzle” ou a ponderar as minhas opções. Mais vezes me encontrava apenas a jogar em auto-piloto.

No final do jogo, acabei por considerar The Two Thrones a experiência menos agradável da trilogia. Mas com este fora do caminho, já pude meter as mãos na entrada que nunca tinha jogado antes.


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Prince of Persia: The Forgotten Sands

Efectivamente o último Prince of Persia que tivemos (se não contarmos com o Escape e The Shadow and the Flame, ambos jogos para mobile) até ao remake do The Sands of Time este ano, e provavelmente por boa razão. Não encontrei grande informação sobre as vendas desta entrada na série, o jogo estreou-se em 6º lugar no Reino Unido, ficando atrás de jogos como o Red Dead Redemption, Super Mario Galaxy 2 e Call of Duty Modern Warfare 2. A Ubisoft nesta altura já estaria mais focada no seu novo sucesso, Assassin’s Creed (uma série que nasceu dum conceito para um jogo de Prince of Persia), e é possível que o maior foco deste título fosse promover o filme que estreava no mesmo mês. Pela “ironia do destino” ou a simples evolução da indústria, Prince of Persia acabou por deixar o seu lugar para a série que criou.

The Forgotten Sands dá um pouco de contexto ao espaço de 7 anos entre The Sands of Time e Warrior Within. O Prince visita o seu irmão, Malik, durante um cerco no castelo real, e em desespero, Malik liberta o “exército de Salomão”. Sem surpresas, o exército de monstros apodera-se do castelo e transformam todos em estátuas de areia, à excepção de Malik e do Prince, ambos protegido por um selo. Malik escapa e o Prince encontra um portal que o leva a Razia, uma génio que lhe oferece poderes para voltar a aprisionar o exército.

Embora a base seja a mesma, o movimento em The Forgotten Sands oferece bastante mais opções de platforming. O Prince consegue agora alcançar pontos mais altos saltado contra a parede para a escalar imediatamente, os poderes, como controlar e parar a água criam várias situações mais desafiantes que testam os vossos reflexos e timing. Poderão desbloquear habilidades que deixarão o Prince atacar inimigos a longas distâncias ou reconstruir edifícios e plataformas antigos para alcançar certos pontos. Todavia, a situação do “auto-piloto” que mencionei em The Two Thrones repete-se aqui. The Forgotten Sands foi demasiado linear para o meu gosto e mais uma vez, gostava que tivessem explorado algo mais próximo ao Warrior Within.

O combate sofreu uma mudança bem mais substancial. Em vez de combater meia dúzia de inimigos num encontro, combatemos dezenas duma só vez. As manobras acrobáticas do Prince continuam aqui, mas mais limitadas. A subida no número de inimigos em cada encontro traduziu-se em inimigos mais frágeis (como é de esperar, ou cada encontro duraria uma eternidade) e menos agressivos. A estratégia de combate reduziu-se a carregar no botão de ataque para cortar pelas ondas de inimigos como se fossem silvas no meio dum mato. As vezes que variava era quando havia uns monstros especiais que invocavam mais inimigos, e aí tinha de me focar neles. Podem ir desbloqueando poderes para vos ajudarem a limpar as multidões mais rapidamente na skill tree do jogo, uma adição completamente desnecessária na minha opinião. Seria bem mais interessante desbloquear poderes ao explorar o mapa do que em ganhar XP em combate. No fim, lembra-me um pouco os jogos musou, quem é fã do tipo poderá gostar, mas no meu caso, prefiro a versão mais “flashy” do Warrior Within.

A despedida da saga acabou por ser no máximo, morna. Palavra que se aplica à recepção ao jogo em 2010, e a meu ver, de modo justificável.


Ao todo, a saga completa levou-me cerca de 30 horas a jogar (~9 horas no Warrior Within, ~7 nos restantes), e tendo comprado os jogos em desconto na Steam (ficou por volta dos 7€ ao todo), diria que foram divertidos mais que o suficiente para justificar o preço, para além de reviver a trilogia que tanto gostei há 15 anos. Não envelheceram bem em todos os aspectos, mas com a ajuda de uns “tweaks” para PC (A PCGamingWiki foi extremamente útil), aconselho aos fãs e curiosos.

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