Em antecipação daquilo que poderá vir a ser o Fallout 76, a próxima entrada na série, levantam-se forquilhas e os fãs separam-se novamente. Não é novidade nenhuma para quem segue os fóruns e subreddits dedicados ao jogo, não é a primeira vez que a fanbase está em dissonância, mas desta vez por motivos diferentes. A “insurreição” contra o Fallout 76, pode concretizar o brilhante feito de unir os fãs mais obstinados do Fallout 3 e do New Vegas. Este separatismo é uma tendência que tem a sua génese desde a primeira entrada da Bethesda na série, o Fallout 3, levando a que alguns dos fãs dos jogos originais se tenham sentido alienados. O separatismo intensificou-se com a chegada do New Vegas, que juntou a familiaridade que a equipa da Obsidian tinha com os primeiros Fallout, simultaneamente integrada na visão da Bethesda. O cuidado que foi dado à recriação do mundo da Interplay, levou a um certo saudosismo e de certa maneira uma pequena objeção contra a visão da Bethesda (o vídeo do hbomberguy é o exemplo mais evidente desta posição), sendo o New Vegas colocado num pedestal como o zénite da série.
Para quem está atento ao mundo dos videojogos, não parecerá estranho uma subcultura de fãs existir sem algum drama. Porém, eu prefiro colocar essa questão e tentar perceber o que difere e qual a possível direção da série. É importante frisar que muito daquilo pelo qual passa este debate é inevitavelmente subjetivo. Aquilo que faz o Fallout é inteiramente dependente da experiência de cada jogador. Porém, há certas tendências que se verificam e que ultrapassam os gostos pessoais.
Em 2008, quatro anos após terem adquirido os direitos da série da Interplay, Bethesda apresenta a sua visão do que é o mundo de Fallout, com o lançamento de Fallout 3. A apreciação inicial foi positiva, tanto da parte dos críticos como dos fãs, conseguindo destes últimos, em média, uma pontuação de 8 (num máximo de 10), no Metacritic, em todas as plataformas. A nova perspetiva na primeira pessoa, permite uma experiência mais pessoal e, aliado ao excelente trabalho desenvolvido naquilo que na atmosfera e worldbuilding do jogo, passando tanto pela banda sonora como os ambientes (as estações de metro abandonas de Washington D.C. causam uma sensação de claustrofobia inegável). Porém, a mesma decadência que definia o jogo era visto por alguns fãs como algo que era inerente, mas secundário. Por outro lado, o foco da série deveria cingir-se no processo de reconstrução civilizacional. Os cenários áridos da costa Ocidental americana, repleta-se de cidades em crescimento, são substituídos pelo mar nuclear de Washington, desertificado de população e com pouquíssimos sinais de civilização. As cidades de Junktown, São Francisco ou Hub, verdadeiros centros civilizacionais, são substituídas por Megaton, Big Town e Rivet City, cidades que lutam pela sobrevivência. É importante observar que para alguns dos fãs, esta decadência civilizacional é algo que define a série. Questões tão subjetivas como estas, não substituem o escrutínio que é dado à qualidade da escrita, quer dos diálogos quer da narrativa em si, que concebeu uma série de debates sobre o mérito da mesma, sendo sem dúvida a falha fundamental que os críticos mais ardosos apontam.
A salvação aparece para alguns dos fãs em 2011, quando a Obsidian lança Fallout: New Vegas. O jogo vira-se para o oeste, desta vez para Nevada, onde Las Vegas toma o lugar central. É colocada uma ênfase enorme na narrativa, abrindo-se diversas possibilidades de escolha para o jogador. Ao contrário da entrada anterior, que não permitia tanta liberdade, agora, a narrativa é moldada pelas decisões do jogador. Beneficia sem dúvida de uma equipa que já tinha trabalhado anteriormente nos primeiros Fallout, como Chris Avellone e Scott Everts. Em termos de jogabilidade mantém-se semelhante ao Fallout 3, acrescentando-se iron sights (que são inúteis em grande parte mas que mostram já uma evolução no foco do gameplay, dando-se prioridade à perspetiva de combate em primeira pessoa) e traits, que funcionam um pouco como os perks, apesar de só se poderem escolher dois no início do jogo, mas diferem sobretudo no facto de apresentarem vantagens e desvantagens (por exemplo, Built to Destroy aumenta a hipótese de um ataque crítico, mas simultaneamente as armas perdem qualidade mais depressa). Alguns fãs consideram este jogo como uma derradeira experiência RPG.
Revertem-se os papéis. Os fãs de Fallout 3 apontam para a pertinência de uma comunidade em crescimento, apelando para a atmosfera sombria e decadente que definiu a prioridade da Bethesda. O jogo sofreu mais com as críticas feitas no lançamento devido à abundância de bugs que impossibilitavam a experiência. Contudo com o lançamento da Ultimate Edition, em 2012, o jogo ganhou uma enorme popularidade dentro da fanbase.

Quatro anos mais tarde é lançado o Fallout 4 que, até agora, é a última entrada na série principal. O seu lançamento parece ter sido menos controverso, havendo um consenso entre os fãs de que a qualidade da série desceu. Naturalmente que o jogo tem os seus admiradores, mas a pontuação em média de 6 no Metacritic dos utilizadores (em todas as plataformas) e as críticas negativas na Steam, indicam uma clara insatisfação com as decisões da Bethesda. O jogo adotou mais a sua vertente action/adventure, não abandonando o RPG, mas dando-lhe menos foco. Deu-se uma voz ao protagonista, o que pode ter dado alguma personalidade à personagem, mas limita o potencial de roleplaying (sem deixar de mencionar as limitações que são criadas no diálogo). A estrutura das skills foi completamente revisada e abandonaram os perks.
Serão então estas críticas razoáveis? É verificável um declínio em termos de qualidade? A resposta não é fácil. Por um lado, parece evidente que houve um abandono gradual daquilo que no núcleo, torna o jogo um RPG. Os perks e as skills eram algo que garantiam uma personalidade à personagem, em contraste com a abordagem que encontramos no Fallout 4, que permite uma espécie de jack of all trades, sendo a identidade da personagem diluída. Sem deixar de mencionar, neste departamento, as possibilidades em diálogo que encontramos no New Vegas relacionadas com as skills (ao contrário do terceiro jogo, que apenas faz os skill checks com base na habilidade de speech, no New Vegas são dependentes da habilidade que está a ser testada. Por um exemplo, um skill check em explosives depende da nossa habilidade nos mesmos, não na nossa speech skill), o que transparece ao jogador uma evolução da personagem mais focada e pessoal. A voz que é dada ao protagonista acaba por ter o mesmo efeito. É retirada ao jogador a possibilidade de “dar a voz” à personagem, algo que, pode parecer insignificante, mas para um jogo com um forte ênfase no elemento de roleplaying, é notável esta adição. É certo que jogos como Mass Effect e Witcher, que são glorificados como RPGs, funcionam com um voiced protagonist. Mas Fallout, até ao quarto, sempre se caracterizou pela liberdade construtiva na concessão da personagem. Este elemento tem outra consequência fatal no jogo que é a limitação excessiva dos diálogos, que em Fallout 4, limitam-se a “Sim/Não/Sarcástico/Pergunta”, (por vezes acabam por ser quatro maneiras de dizer sim) que se distancia penosamente da variedade de diálogo que encontramos nos jogos anteriores.
Por outro lado, é preciso considerar que as prioridades dos jogadores não são todas as mesmas. Aquilo que torna o Fallout, Fallout, não é o mesmo entre indivíduos distintos, podendo algumas pessoas considerar a aspereza e crueldade do deserto pós-nuclear, como algo que defina a série, enquanto que para outros, procuram um tratado da reconstrução da civilização nesse mesmo cenário. Naturalmente que não só em termos de setting, mas em termos de gameplay, apesar da controvérsia em torno do Fallout 4, houve fãs que observaram estas mudanças como progresso. Mas não são só as preferências dos fãs que definem o caminho da série. É natural que as tendências promovem diferentes percursos de desenvolvimento, mas neste aspeto, tanto a Bethesda como a Obsidian, são companhias que não tem medo de arriscar. Sendo assim, é inegável que houve mudanças significativas desde que a Bethesda pôs as mãos na série, até hoje em dia, quando caminhamos para o Fallout 76. Definir a qualidade das mesmas, mais uma vez, vai depender daquilo a que os fãs procuram no que é produzido. Como tal, é impossível defini-la.
Da minha parte, devo dizer que observo sem dúvida um declínio daquilo que é o “padrão” (algo que é difícil de definir) num RPG. Como fã ávido do género, certos caminhos que a Bethesda está a tomar, divergem daquilo que tornou a série tão especial para mim. Após ter renegado durante tanto tempo jogar Fallout 4, quando experimentei fiquei surpreendentemente satisfeito (especialmente após ter lido tanto criticismo). No entanto, e apesar de achar que é um jogo bem feito, não posso deixar de sentir que diverge daquilo que para mim faz um Fallout e, como apelo a todos os fãs que se sentem como eu, o caminho passa pela aceitação ou procurar um bom RPG noutro lado (ouvi dizer que a Obsidian e a Larian andam a fazer excelentes jogos). Porque olhando para a tendência desde que a Bethesda lançou o Fallout 3 e comparando-a com Elder Scrolls, que acompanha o processo de desenvolvimento de Fallout, não mantenho esperanças que a série saia da sombra do que foi.