Dragon’s Dogma 2 é um action rpg open-world situado num mundo fantástico das típicas inspirações “medievais” que se encontra na ficção. À semelhança do jogo anterior assumimos o papel de Arisen, uma pessoa que enfrenta o Dragão – uma criatura mítica do mundo. O coração desta pessoa é roubado e fica conectado ao Dragão até o derrotar. Nessa jornada, o Arisen recebe ajuda dos pawns (peões) para o socorrer.
Um jogo de duas histórias
A história principal que guia o jogador mistura uma intriga palaciana básica com alguns mistérios ligados ao Arisen e ao Dragão. É complicado comentar porque não concluí o jogo e os desfechos ficaram por saber. Ultimamente, é uma narrativa linear com pouca aberturas para explorar.


Do outro lado, temos as narrativas pessoais criadas a partir das escolhas dos jogadores em conjunto com elementos sistémicos que trazem o inesperado (para o bem e para o mal).
Por exemplo:
Algures na região de Vermund, há um ninho de um grifo. Não qualquer grifo, mas um grifo acumulador de todo o tipo de riquezas, segundo o que corre nas bocas de aldeões e soldados.
Quando finalmente tropecei sobre ele, vi-o do topo de uma colina, talvez demasiado alta para sobreviver a um salto. Mas, se conseguisse chegar à coluna do ganancioso grifo, sobreviveria. Um pouco de espaço, corro salto e… lá cheguei. O grifo sacode-me e a música rebenta. Estou a preparar uma bomba, para depois enterrar a espada no pescoço da criatura. Os meus pawns… os meus pawns estão ainda na colina? Não aguentei muito tempo.
Segunda tentativa, agora a 85% de vida. Por algum motivo o grifo já não estava aninhado, mas de pé e um pouco afastado. Será que conseguia? Mesma preparação, atirei-me e…espalmei-me. Morte imediata.
Continuei o save agora a 75% de vida.
Terceira tentativa, igual à segunda.
Agora a 50% de vida. Quarta tentativa, esperei pelo grifo, irrequieto, batia as asas. Eventualmente levantou voo e desceu a pique, fazendo o ar assobiar. Morri assim que caiu no chão.
Quinta tentativa. Com menos de 50% de vida repensei se voltaria aqui mais tarde, mas a teimosia já entranha-se nos ossos. Não iria fazer long rest ou mudar para a minha vocação principal. O grifo já estava agressivo por isso foi só esperar… apenas com duas barras de vida voltou para o ninho. Mas já sabia que os pawns não desceriam por isso atirei os um a um lá para baixo, e desci pelas rochas aproveitando as saliências. Sobrevivi, e o grifo caiu no chão, derrotado.
Um mundo realmente vivo
É uma afirmação que já encontrei algumas vezes. Contudo, com pouco mais de 60 horas, é difícil centrar-me sobre o que o torna vivo.
O enredo dedica-se ao mito fundador do Arisen, o Dragão e o Brine, e essa centralidade também consume, praticamente, toda a cultura do mundo. Apesar de algumas distinções geográficas ou étnicas, está vazio de identidade. É um mundo virtualmente sem História. O que existe remete apenas para esse mito fundador, tentando aliciar e mistificar o jogador. É um lugar que existe para satisfazer um sentimento de aventura particular. Desde que aventura signifique correr desalmadamente e matar o que vier.


O seu lado sistémico, juntamente com o combate, foi o que tornou o primeiro título num jogo de culto. Mas esse mesmo elemento, que o tornava interessante, é o que lhe rouba da mesma magia. Não é diferente do que outros jogos já enfrentaram como a série do Far Cry e até RPG’s como o Skyrim. Depois de centenas de dragões, a novidade perde-se. Especialmente quando a distinção é mínima.
Mas esse desgaste não impede momentos cómicos, mesmo que, às vezes, seja a custo da paciência e tempo: seguir num caminho perto do mar até que os três pawns que me seguem caírem na água um seguido ao outro (adeus equipamento); um npc importante ser rapinado por uma harpy apenas para esta ser morta em voo por feitiço de um pawn, deixando-o cair para um abismo; ou até uma ligeira queda no transporte de um npc “obrigando-me” a ressuscitá-lo…
Uma das críticas no lançamento do Far Cry 5 é que o espaço que o jogador habitava era demasiado reactivo. Não me recordo se foi uma frase partilhada oficialmente, mas havia um medo do jogador aborrecer-se, assim, ao navegar o mundo os sistemas certificavam que o jogador ia encontrar alguma criatura, inimigo ou evento aleatório.
A reactividade das personagens do mundo também não se mostra pronta para acolher todos os acontecimentos. No caso da morte de Glyndwr a irmã e o pai dele não mostram qualquer emoção ou um pedido para o ressuscitar. Não se espera uma história complexa, mas não dão uma única. São personagens que existem no mundo, mas não o habitam. Graficamente impressiona o olhar, especialmente com o ray tracing, quando uma cascada de luz entra por uma floresta, mas existe no mesmo miasma de tantos outros mundos fantásticos “medievais” com uma paisagem dividida em regiões homogéneas. Esta é verde, esta é castanha…


Voltando à reactividade, apesar das opções secretas em algumas quests. Outras são completamente restritas. Por exempo, na quest “Tensions in the High Road”, uma pessoa supõe que diferentes personagens tenham informação sobre um pedido de escolta ao Arisen por um nobre, mas ao interagir com elas, não surge nenhuma opção de diálogo.
O aparecimento duma criatura mítica vai sempre ser mais espetacular que um urso ou elefante no Far Cry, e apesar da forma ser visualmente diferente, o conteúdo é o mesmo. Haverá sempre um goblin saurian grifo dragão minotauro ogre ciclope lobos assaltantes esqueletos fantasmas a caminho…. Parece-me – quase certo – que no caso de Dragon’s Dogma isso resulta de não ter meios rápidos e acessíveis de atravessar o mundo rapidamente. Se o jogador vai estar constantemente ou frequentemente a caminhar – especialmente no início – como é que podemos certificar que não perde o interesse?
“Trabalhámos muito na conceção de um jogo em que se pode tropeçar em alguém e algo acontece, por isso, embora não haja problema em ter Fast Travel, decidimos conceber o tipo de mapa em que os jogadores tomam a decisão de viajar de bicicleta ou a pé para desfrutar da viagem”.
comentário de Hideaki Itsuno, director de Dragon’s Dogma 2
O que é que um mundo sem identidade tem para oferecer depois de já termos morto o nosso décimo terceiro ogre?
Dou um exemplo da perda dessa magia sistémica:
Numa viagem de carruagem – um dos dois métodos de transporte rápido – sou desperto a meio da viagem por um ataque de ogre, não é a primeira vez. A carruagem é destruída no meio da algazarra. Como estou a metade do caminho, prefiro não sacrificar uma ferrystone1, escolho andar o resto a pé.
Vão ser goblins, lobos, hobgoblins, harpies ou outra sequência de inimigos conhecidos. Num caminho repetido e memorizado. As vantagens dessa relação são poucas, raramente há atalhos ou desaparecem os monstros já mortos, não surgem npc’s que ofereçam algo novo. Mesmo em trajectos explosivos como encontrar um ciclope armado, e ser emboscado por um ogre peludo, e depois por um dragão feroz; revirei os olhos quando apareceu o dragão. Senti-me mastigado pelas lutas constantes. Mesmo com as diferentes classes, o combate possui uma simplicidade que se esgota rapidamente.
“Experimentem. Viajar é aborrecido? Isso não é verdade. Só é um problema porque o vosso jogo é aborrecido. Tudo o que tens de fazer é tornar as viagens divertidas”
comentário de Hideaki Itsuno, director de Dragon’s Dogma 2
A dificuldade em ser imparcial
A escolha de fazer impressões em vez de análise surge da percepção que não sou capaz de me distanciar o suficiente dos aspectos negativos que vejo no jogo; e de não conseguir forçar-me a finalizá-lo tão cedo.
Compreendo que muitos se agarram à ideia de que a arte é subjectiva, e as interpretações que tiramos, mas no meu caso, não subscrevo. Mesmo que haja subjectividade em certos aspectos, criticamente tem que existir alguma objectividade. Ninguém pode afirmar que o “The Lord of the Rings: Gollum” (2023) é um bom jogo, certo? E isso ser uma opinião tão válida como a que afirma que é um mau jogo. Assim, se não consigo manter a objectividade sobre alguma coisa, apenas me posso deixar no limiar do que será uma opinião crítica formada (ou a tentativa disso), nestas impressões.
Houve uma frustração constante à semelhança de outros open world‘s que joguei nos últimos anos como Days Gone e Horizon Forbidden West. Jogos que pedem tanto do meu tempo, mas que não me oferecem o suficiente para eu cumprir esse compromisso. Largas horas, vazias, em vão, para um resquício de entretenimento ou de valor artístico.
A fricção com cada um destes jogos aconteceu por motivos diferentes. Podia ser de conteúdo excessivo para a fórmula de combate que não varia o suficiente, uma história e ou mundo desinteressante, quests com um design aborrecido… Enterrei dezenas e dezenas de horas em cada um destes jogos (incluindo o Dragon’s Dogma 2) para tentar chegar a um encontro com as intenções de cada jogo, fosse a aventura, o medo, a explosividade, etc., para apenas circular nos mesmos problemas.
Afinal quem falhou? Eu, ou o jogo?
- um objecto de relativa raridade que permite teletransportar para locais específicos ↩︎
